O Conselho do Departamento de Letras subscreve nota do Departamento de Filosofia sobre o “Future-se”

O Conselho do Departamento de Letras deliberou, em sua 378ª reunião, realizada em 18 de setembro, por subscrever a nota do Departamento de Filosofia sobre o “Future-se”. O Conselho, por entender que tal programa “propõe mudanças que ferem a autonomia universitária e colocam em perigo o funcionamento do ensino, da pesquisa e da extensão nas instituições federais de ensino superior”, manifesta sua rejeição a tal programa e insiste na necessidade de a gestão superior convocar debates públicos com toda a comunidade acadêmica reunida, com o fim de se deliberar sobre a posição da UFSCar frente a esse programa

Nota do Departamento de Filosofia sobre o "Future-se"

O Departamento de Filosofia conclama a Reitoria da UFSCar a convocar debates públicos com toda a comunidade acadêmica reunida acerca do programa Future-se e uma reunião extraordinária do ConsUni tendo como ponto exclusivo de pauta o debate e a deliberação a respeito da posição da UFSCar frente a esse programa

A magnitude do projeto Future-se, que propõe mudanças no estatuto jurídico e social das universidades públicas e na forma mesma de financiamento destas, torna imperativa sua discussão conjunta por todas as instâncias de mediação e sua deliberação pela instância superior de decisão da UFSCar, o Conselho Universitário, tal como está previsto no estatuto da universidade. Afinal, é indiscutível que o programa, tal como está formulado na minuta do projeto de lei disponibilizado pelo Ministério da Educação, propõe de maneira assertiva, apesar de suas flagrantes omissões e obscuridades, mudanças que ferem a autonomia universitária e colocam em perigo o funcionamento do ensino, da pesquisa e da extensão nas instituições federais de ensino superior.

É de se destacar ainda que as universidades públicas brasileiras têm promovido debates e deliberações muito claras e contundentes em repúdio a tal projeto (UFPR, UFRJ, UFMG, UFSC, dentre outras). A manifestação da UFSCar, deliberada a partir de sua instância máxima de decisão, se faz tanto mais urgente e necessária em vista de declarações explícitas do ministro da Educação de enviar o projeto Future-se ao congresso nacional como medida provisória e não de projeto de lei, demonstrando claramente a intenção de atropelar as etapas jurídicas habituais (conforme noticiado pela Folha de São Paulo em 28 de agosto, entre outros veículos de imprensa).

É falso o argumento de que não há o que a universidade discutir e deliberar sobre sua posição em relação ao programa Future-se pelo fato da minuta do projeto de lei não estar completa e clara, pois não apenas naquilo que afirma positivamente como também naquilo que (intencionalmente?) omite, a proposta claramente propõe uma mudança no estatuto da universidade enquanto instituição pública para uma instituição regulada pelo mercado. Por isso, o Departamento de Filosofia conclama a Reitoria da UFSCar, enquanto representante desta Universidade, a fomentar debates públicos com toda a comunidade acadêmica reunida (e não somente reuniões setorizadas com as diferentes categorias, já que a posição da universidade deve ser uma construção coletiva e não apenas a soma das decisões das diferentes categorias) e a convocar uma reunião extraordinária do ConsUni para a discussão e a deliberação a respeito da posição da UFSCar em relação ao programa Future-se.

 

O Departamento de Filosofia vem manifestar sua posição de rejeição à adesão ao Future-se e suas razões para tanto

 Em primeiro lugar, o programa claramente fere a autonomia universitária, tanto em sua dimensão didático-científica quanto administrativa e financeira, tais como estão dispostas no artigo 207 da Constituição Federal, segundo o qual “as universidades gozam de autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial, e obedecerão ao princípio de indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão”. Tal como está exposto na proposta legislativa do Future-se, ao aderir ao programa, as IFES se comprometem a “adotar o sistema de governança a ser indicado pelo Ministério da Educação” (sistema de governança que não é esclarecido) bem como “o programa de integridade, mapeamento e gestão de riscos corporativos, controle interno e auditoria externa” (2° artigo), além de outorgarem a operacionalização do programa a uma organização social (3° artigo), que ficaria responsável pelas ações e políticas públicas acadêmicas. Ora, tais artigos violam frontalmente a autonomia universitária.

Ademais, está disposto na minuta do projeto de lei que tais organizações sociais, que seriam responsáveis pela operacionalização do programa nas universidades, seriam “qualificadas pelo MEC”, “sem a necessidade de chamamento público” (art. 3), o que compromete a transparência e a imparcialidade de tais contratos. Diferentemente das Fundações de Apoio, cujo conselho diretivo deve ser majoritariamente composto por membros da comunidade universitária e cujas contas e recredenciamento periódico devem ser submetidos à aprovação pelo conselho superior da IFES, as organizações sociais não estão submetidas a tais exigências, o que compromete ainda mais a autonomia universitária.

Outro motivo para a rejeição do Future-se é o fato de a proposta ter sido elaborada sem nenhuma consulta ou debate com as universidades e suas instâncias de representação. De maneira nenhuma a consulta pública sobre o projeto, tal como foi aberta no site do MEC, substitui um debate com as instâncias concernidas e seus representantes, tanto mais quando se considera que tal consulta apenas deu margem a manifestações individuais que diziam respeito a pequenos detalhes do programa, sem possibilidade de sugestão de alteração de seus aspectos mais centrais.

 Ademais, o projeto de lei se caracteriza por graves omissões que comprometem profundamente a compreensão de como o programa funcionaria. Em primeiro lugar, não há nenhuma menção à obrigatoriedade da União de aplicar anualmente no mínimo 18% da receita proveniente dos impostos na manutenção e desenvolvimento do ensino, tal como está previsto no artigo 212 da constituição de 1988. Essa omissão é sintomática de uma falta de compromisso do programa com o financiamento público das IFES. Há diversas omissões e imprecisões relativas à operacionalização (contratação do pessoal técnico-administrativo e dos docentes, por exemplo) e aos mecanismos de financiamento dos fundos de investimento (para citar um exemplo, como o Ministério da Educação poderia participar como cotista de fundos de investimento sem ser pessoa jurídica? etc.). Essas omissões e imprecisões, longe de constituírem um fator para o não posicionamento das IFES diante do projeto, são motivos para a rejeição à adesão ao programa, já que seria temerário essas instituições fornecerem um tal cheque em branco ao governo.

Outrossim, o caráter mercantilista, imediatista e utilitário do projeto Future-se compromete gravemente as pesquisas de ciência básica e de Humanidades, colocando em risco o projeto social e republicano de um país soberano e sustentável. Além disso, a participação preponderante da iniciativa privada no financiamento da universidade acarretaria uma tal desigualdade de investimentos entre as faculdades e pesquisas no interior das IFES que teria como consequência, por sua vez, a quebra da unidade indissolúvel da universidade, que congrega todas as áreas de ensino e pesquisa.

Por fim, o projeto Future-se omite a interação já existente entre universidade pública e iniciativa privada, visto que há diversas pesquisas e programas deste tipo em andamento. Isso é um indicativo de que não se trata de um projeto para abrir uma fonte suplementar de financiamento das universidades (o que já existe), mas de simples substituição do financiamento público pelo privado.

Por todas essas razões, o Departamento de Filosofia conclama que a posição da UFSCar sobre o programa Future-se seja tema de debates públicos com toda a comunidade acadêmica reunida, bem como de deliberação em reunião do Conselho Universitário, e afirma sua posição contrária a este programa.